FORO DE SÃO PAULO

Lula, Francisco e o Grupo de Puebla

Redação BSM · 16 de Fevereiro de 2020 às 17:28 ·
A imagem do Papa Francisco com Luiz Inácio 'Lula' da Silva na Casa Santa Marta exibe uma manobra da esquerda latino-americana aglutinada no Grupo Puebla para recuperar espaço na região e legitimar uma de suas figuras mais desacreditadas.

Por Diego Hernandez

A reunião ocorreu no Vaticano na quinta-feira passada, 13 de fevereiro, gerou um profundo mal-estar no Brasil e desencadeou uma forte controvérsia por um motivo não pequeno: trata-se de um político julgado e condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

Ele já foi condenado em dois processos cujas sentenças somam pouco mais de 25 anos de prisão e agora esta em Roma graças a uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em novembro de 2019, permitiu que ele saísse da prisão para esgotar todos os recursos de apelação em liberdade.

A decisão foi vista por muitos - incluindo alguns ministros do colegiado - como uma medida ad hoc para beneficiar ao ex-presidente, que já tinha sido condenado em segunda instancia nos dois processos. Foram 6 votos contra 5. O voto de 'Minerva' foi dado por José Antonio Dias Toffoli, atual presidente do STF, e indicado por 'Lula' ao cargo. Da Silva foi libertado no dia seguinte.

Há pelo menos outros 6 processos contra ele, em um deles é acusado de formar e liderar uma organização criminosa que agia dentro da estrutura governamental. De fato, no dia da reunião com o Papa Francisco, 'Lula' deveria ter prestado depoimento em um desses processos. O interrogatório foi adiado uma semana.

Oito dias antes da viagem do ex-presidente, o deputado federal Luiz Philippe Orleans e Bragança enviou uma carta ao nuncio apostólico, Dom Giovanni D'Aniello. Nela diz:

"A saída do condenado do país apresenta um retardo no cumprimento de processos judiciais dos quais é réu. Recebê-lo, representará impunidade e desrespeito às instituições brasileiras. Essa é prática reiterada pelo condenado e pela organização criminosa que ele dirige, como apontado judicialmente pelo Ministério Público Federal".

Uma manobra de loga data

 

Independentemente das razões - estritamente religiosas ou não - que levaram o Papa Francisco a receber 'Lula' no Vaticano, apesar de sua situação jurídica peculiar, é fato que a tentativa de vincular as duas personalidades não é nova.

Durante o período em que Lula esteve na prisão, seus aliados montaram a campanha 'Lula Livre' - e impulsionaram a narrativa de que ele é um 'prisioneiro político' - e como parte dela, em pelo menos quatro ocasiões, tentaram 'engajar' ao Papa Francisco.

Em junho de 2018, o Partido dos Trabalhadores (PT) divulgou que o ativista argentino e membro do Conselho Pontifício Justiça e Paz, Juan Grabois, entregou a seu líder preso um terço enviado pelo Pontífice: A assessoria de imprensa da Santa Sé, primeiro negou categoricamente o suposto envio, e, depois, publicou um comunicado mais ameno.

Em julho e agosto de 2018, seus aliados encontraram o Papa Francisco e entregaram-lhe material da campanha 'Lula Livre', (um livro, uma camisa). Fotos foram tiradas e amplamente divulgadas. O ex-ministro de Relações Exteriores de 'Lula', Celso Amorim, esteve presente em pelo menos uma ocasião; assim como o superior geral dos jesuítas: o venezuelano Arturo Sosa Abascal.

Em maio de 2019, Francisco enviou a Lula uma carta na qual manifestou sua "proximidade espiritual" e pediu ao ex-sindicalista não se desanimar pelas provações que passava, principalmente a morte da esposa e de um irmão. O PT destacou parte da carta em que o Papa escreve: "a verdade vencerá a mentira e a salvação à condenação", a frase estava referida à Páscoa e a sigla a aplicou indevidamente à situação legal de seu fundador.

Nessa tentativa de articulação com Roma, além de Grabois e Amorim, também vem agindo o 'teólogo' brasileiro Leonardo Boff; Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz e destacado leigo ligado aos setores mais ativos e radicais da teologia da libertação; Alberto Fernández, ex-ministro argentino da era Kirchner e hoje presidente da Argentina; e Carlos Ominami, ex-ministro do governo da Patricio Aylwin, no Chile.

A foto e o local

A foto de 'Lula' e o Papa juntos percorreu o mundo. Foi tirada por Ricardo Stuckert, fotógrafo particular do político brasileiro. Da Silva queria ter certeza de sair do encontro com um registro gráfico adequado e o divulgou imediatamente em sua conta no Twitter. Ele também deu uma breve conferência de imprensa nas instalações de uma central sindical italiana. A Santa Sé não se manifestou nem publicou nada.

De fato, a reunião ocorreu fora da agenda oficial do Papa Francisco. Não aparece registrada nas audiências oferecidas naquele dia. Foi, portanto, uma reunião informal e pessoal. Por isso não estavam presentes fotógrafos do Vaticano. Aconteceu na 'casa' do Papa, o Hotel Santa Marta, às 15:49, hora local, e durou menos de uma hora.

Os principais meios de comunicação do mundo divulgaram a reunião e alguns, como The New York Times, o fizeram com o manchete: "Lula recebe a bênção de Francisco". Todos levantaram a narrativa que Lula ofereceu na coletiva: o Papa queria vê-lo falar sobre como 'derrotou' a pobreza, conversaram sobre economia, ecologia e como "tornar o mundo mais justo". Ele negou que conversassem sobre o presidente Jair Bolsonaro.

No Brasil, o PT, e todas as suas organizações e meios de comunicação satélites, divulgaram a reunião como o encontro de "dois grandes líderes mundiais" para discutir "fome e intolerância".

O PT nasceu e cresceu com o apoio aberto de um amplo setor da Igreja Católica. Seu parto ocorreu na escola católica mais tradicional de São Paulo há 40 anos e dentre seus fundadores, uma numerosa e sólida vertente estava integrada por militantes da teologia da libertação. A sigla tornou-se um dos maiores partidos políticos porque cada comunidade eclesial de base, em cada povoado do pais, fundou um núcleo petista.

O Grupo de Puebla como articulador?

 

O PT e Lula estão acostumados a instrumentalizar a Igreja e esse espírito se manifesta de forma clara na viagem do réu a Roma. Mas essa reunião não foi solicitada por nenhum prelado brasileiro; foi articulada por operadores internacionais. Dois se destacam, ambos fora do âmbito eclesial: Alberto Fernández e Carlos Ominani.

O argentino e o chileno estiveram presentes na reunião do ex-ministro Amorim com o Papa em agosto de 2018. Eles entregaram a Francisco uma cópia do livro 'A Verdade Vencerá', um conjunto de entrevistas em que Da Silva defende sua inocência e insiste na narrativa de que é um político perseguido.

Foi Fernández quem conseguiu que o pontífice abrisse sua agenda para 'Lula'. Ele proprio o disse no 31 de janeiro passado, após sua primeira reunião como presidente eleito com Francisco. E em menos de 15 dias aconteceu o encontro com ex-sindicalista.

Fernández e Ominami são co-fundadores Grupo de Puebla, uma plataforma política latino-americana de esquerda, também chamada Progressivamente.

O grupo é percebido como uma reformulação do Foro de São Paulo, com o qual - aparentemente - marcam distância da Venezuela e Cuba. Um dos objetivos declarados é deter o avanço da direita e do conservadorismo na região e reconquistar os governos dos países desde o Rio Grande até à Patagônia.

Entre os fundadores da plataforma estão - além de 'Lula' e sua sucessora Dilma Roussef - os mexicanos Cuauhtémoc Cárdenas, esquerdista histórico, fundador do Partido da Revolução Democrática (PRD); Yeidckol Polevnsky, ex-presidente e atual secretária geral do Movimento Regeneração Nacional (Morena); e a senadora Beatriz Paredes Rangel, do Partido Revolucionario Institucional (PRI).

Um antecedente da fundação do Grupo Puebla é o Fórum Internacional de Emancipação e Igualdade, realizado em Buenos Aires em 2015, no qual Cárdenas foi expositor, e também Marcelo Sánchez Sorondo, bispo responsável pela Pontifícia Academia das Ciências Sociais. Lá, muitas das bandeiras do Grupo de Puebla foram delineadas.

Sánchez Sorondo vinha realizando desde 2014 em Roma uma serie de encontros dos "movimentos sociais" com o Papa Francisco. Algumas das organizações mais radicais da esquerda latino-americana participavam, até envolvidos na organização, ao lado de genuínos movimentos sociais. E hoje, o prelado é quem abre as portas do Vaticano para elas. Foi ele quem celebrou uma missa para Fernández no túmulo de São Pedro antes de seu encontro com o Papa.

Será que na agenda de 'Lula' no seu passo pela Ciudad Eterna havia algum encontro marcado com esse prelado?

 

Publicado originalmente em D'Vox

 

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